A sujeição do crédito rural na recuperação judicial
Atualizado: 13 de mai. de 2020
Por Jornal Re Ação
A perda da capacidade do Estado brasileiro em financiar as atividades rurais na década de 90 obrigou o governo a criar mecanismos que permitissem a mobilização de crédito e capital no setor do agronegócio, de forma a garantir a saúde da atividade. Nesse cenário, ganharam especial relevância os títulos derivados por legislações específicas, com destaque para a Cédula de Produto Rural (CPR) que se popularizou após a edição da Lei 8.929/94. Este título permite aos seus emissores – produtores rurais, cooperativas e suas associações – a pura e simples promessa de entrega de determinado produto rural com data, local especificações e qualidades preestabelecidas. Uma vez emitida, a CPR transforma-se em um título líquido, certo e exigível pela quantidade e qualidade dos produtos nela previstos, podendo ser objeto de endosso para qualquer interessado.
Na avaliação de Amanda Gabriela Gehlen, advogada do Antonio Luiz Ferreira Advogados Associados, a CPR revelou-se uma ferramenta extremamente versátil e eficiente no ambiente do agronegócio. “A simplicidade conferida ao título, com a possibilidade de vinculação de garantias reais para o cumprimento da obrigação de entregar e, ainda, a ampla circularização permitida pelo endosso, transformou este instrumento em um verdadeiro ativo financeiro. Isso atraiu, além dos produtores rurais, o interesse de diversos segmentos do mercado, como bancos, seguradoras, financiadores, bolsas de mercadorias e de futuros, centrais de custódia e investidores”. Todo acesso ao crédito pelos produtores rurais, cooperativas e suas associações pode ser realizado em qualquer etapa do processo produtivo com baixos custos, permitindo a concretização de operações de compra e venda, prestação de garantia, obtenção de financiamento junto a trading companies, bancos, fornecedores, operações de troca (barter), entre outros. “Vale ressaltar que a CPR foi introduzida em 1994, anterior à criação do Código Civil de 2002, e, por isso, obedece às disposições compreendidas da Lei Uniforme de Genebra, não estando submetida ao diploma civil. Entretanto, o art. 10 da lei nº 8.929/94 trouxe regras específicas de direito cambiário a este título”, explica Amanda.
A promessa do emitente em entregar os produtos rurais vinculados ao título pode ser garantido por penhor, hipoteca e alienação fiduciária dos bens de sua própria titularidade ou de terceiros. Para constituição destas garantias não é necessária a formalização em instrumento próprio, sendo suficiente a inserção de uma cláusula na própria cártula. Dessa maneira, dispensa-se, por exemplo, a outorga de uma hipoteca por meio de escritura, bastando apenas, para averbação do ato, a exibição da CPR no cartório em que o imóvel dado em garantia está identificado. “Para que a CPR tenha eficácia contra terceiros, o art. 12 da Lei 8.929 de 1994 determina que o instrumento deve ser registrado no cartório de registro de imóveis do domicílio do seu emitente, com objetivo de garantir a sua publicidade. Da mesma forma, caso o emitente tenha prestado alguma garantia – penhor, hipoteca, alienação fiduciária – para cumprimento da obrigação constante do título, a CPR deverá ser averbada à margem das matrículas dos imóveis prestados em garantia”, esclarece Amanda. O credor que tem CPR como garantia pode estar sujeito aos efeitos de uma recuperação judicial, exceto em casos de alienação fiduciária. Mas sua classificação dependerá da existência, ou não, de garantias incorporadas na CPR, como alerta a advogada: “um credor que recebeu uma cédula em garantia de uma operação de venda de insumos agrícolas sem vincular qualquer espécie de garantia à CPR, por exemplo, estará sujeito à recuperação judicial eventualmente requerida pelo emitente do título na classe “quirografária”. Porém, se a CPR foi cedularmente garantida por penhor e hipoteca, o credor figurará na classe “garantia real” perante a recuperação judicial de seu emitente”. Amanda ressalta que o credor só não estará sujeito aos efeitos da recuperação judicial do seu emitente caso a CPR esteja garantida por alienação fiduciária, conforme prevê o artigo 49, §3º da Lei 11.101/2005, que permite ao credor a consolidação da propriedade fiduciária em seu favor. A CPR ainda pode ser convertida e liquidada em obrigação financeira, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 4º-A.
“A legislação que antes admitia o adimplemento da CPR apenas com a entrega do produto nela discriminado, passou, em 2001, a permitir que o cumprimento da obrigação ocorra em moeda, desde que a quantia expressa em reais seja auferida com base na cotação dos produtos agrícolas que estão vinculados ao crédito. Mesmo na sua versão financeira, a CPR nunca será emitida apenas com a obrigação pecuniária de pagar determinada quantia, mas sempre deverá constar do título a discriminação de um produto rural, como sua quantidade, qualidade e especificações; o que, para liquidação financeira, deverá ser utilizado para apuração dos valores de acordo com os preços praticados no mercado”, acrescenta Amanda. A advogada ainda relata que a permissão de liquidar o título em dinheiro deverá
cumprir todos os requisitos exigidos pelo mencionado art. 4º-A da lei de regência, com destaque para a necessidade de contemplar a expressão “Financeira” em sua denominação “Cédula de Produto Rural”.
Por: Amanda Gabriela Gehlen
Advogada, Especialista em Direito Empresarial
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